terça-feira, 26 de agosto de 2014

Uma vida em cinco minutos*

A última vez que reparou na hora eram 4h37'. Nem tanto pelo horário em si, mas porque era um relógio de bolso feito em ouro maciço, furtado do seu único cliente da noite. O único que pôde bancar um "encontro" com ela! Ele sequer percebera a suave e leve mão descer pelo bolso interno de seu paletó. Talvez estivesse excitado demais para imaginar que aquele abraço quente e carinhoso tinha terceiras intenções. Todavia, aquele era o enlace perfeito para que ela lhe tomasse o relógio sutilmente. Era prática comum na zona de baixo meretrício, mas ela não gostava disso, só fazia para garantir o "extra" para pagar os seus informantes.

Já havia tempo que o rendimento do ofício não era o mesmo. Não por falta de qualidade em seus serviços, mas, devido à escassez de trabalho e à longa recessão pela qual passava o país, aumentou a oferta de "damas de companhia", e, com isso, poucos clientes aceitavam pagar tão bem, como aquele que ela acabara de atender! Ele era um contador. Parecia ser homem distinto. Ela ouvira seu pai falar dos contadores que faziam os balanços e balancetes de suas empresas. Dizia que era sensato tê-los como aliados, pois "com dinheiro não se brinca!". E dinheiro os contadores levavam bastante a sério.

Lembranças antigas que se esvaíam com a balançada de sua cabeça, que soltava os cachos presos e tingidos de preto, emoldurando seu rosto pálido, ainda belo, mas carregado de maquiagem... batom vermelho carmim... cílios duplos e alongados. Uma pinta como detalhe final, perto do canto esquerdo do lábio superior.  Aquela linda menina de outrora, agora tornara-se mulher... Mulher da vida. As tias solteironas e encalhadas com quem teve que viver depois da morte dos seus pais, cobravam dela um marido rico que as tirasse daquela situação de miseráveis!

Sozinha no mundo, revoltada com a vida, fugiu de casa jurando vingar-se de quem matou seus pais. Enrolando-se em seu xale velho, seguiu sem caminho certo. Vivera muitas e muitas vidas até chegar onde chegou, e por último era mulher da noite. Mas agora, finalmente, já estava perto da hora de amanhecer... Era chegada a hora de acordar. Acordar desta noite sem fim, de anos de busca! Estava na hora de dar um fim nisso tudo. Era preciso! E tinha que ser agora! Era a hora da justiça!

Borrifou em si o perfume doce-almiscarado, retocou sua maquiagem e delineou os olhos. Prendeu bem o espartilho, e, por baixo, a arma que conseguiu na semana anterior, do general reformado que caiu embriagado na cama e... só dormiu! Melhor para ela! Agora de volta à vingança... Depois de anos de busca, finalmente descobriu quem mandou mexer nos freios do carro do seu pai, na noite em que o Cadillac S42 Preto capotou serra à baixo, e explodiu...! Agora apenas alguns cômodos os separavam... Ela, a mais bela e cara dama do maior bordel da cidade, aonde iam todos os homens influentes da nata da sociedade! Ele, o seu alvo sem rosto. O crápula que tirou da doce menina toda a magia de uma vida inocente e feliz ao lado dos seus pais.

Seguiu estritamente seu plano. Abriu a porta de seu camarim, jogou seu cachecol de plumas para trás e montou seu sorriso. Desceu as escadas aos risos travessos de menina levada. Entrou no quarto onde estava o homem que ela ia matar à queima-roupa, olhando fixo nos olhos dele, observando a vida dele ir embora aos poucos...

Ao entrar no quarto, lá estava, de costas e envolto em uma nuvem de fumaça de charuto, o velho grisalho com cheiro de conhaque. Era ele... do jeito que descreveram para ela.

Ela agiu como tinha planejado... Fechou a porta com duas voltas na chave, soltou a fivela que prendia o revólver, e correu aos saltinhos sapecas para sentar em seu colo e prendê-lo entre as pernas. Olho no olho, mão no cano gelado da arma, a mira entre os olhos do miserável... E parou! Não podia ser... Era impossível! De um pulo saiu do colo do velho, que estava mais branco que fantasma... Talvez até o fosse! Mas como assim? O homem que ela tinha em sua mira, que ela buscou por tantos anos, que passou por tanto sofrimento para finalmente vingar-se... Era seu pai! Seu próprio pai!

Rápido ele tentou explicar-se e pedir perdão à filha. Disse que tudo foi planejado para que ele recebesse o dinheiro do próprio seguro de vida; que ela deveria ter ido com ele naquele mesmo dia; que sentia muito ter se separado dela; que ele ia achar um meio de voltar para buscá-la, e ficou desesperado quando descobriu que ela tinha fugido; que ele nunca parou de procurá-la; que sua mãe não o perdoara pelo que fez e morrera de desgosto menos de um ano após a sua morte forjada, e que ela sempre fora contra esse plano, mas ele não podia ficar pobre, e estava falido e precisava do dinheiro do seguro, e... E num tempo de cinco minutos, toda a tramoia fora desarmada diante dela. Seu pai implorava perdão. Chorava agora por todos os anos de ausência...

Toda a sua vida sofrida de pequena órfã passou diante dos seus olhos cor de caramelo, assustados... Atônitos... Vagos.

A moça virou-se então para seu pai e sorriu. Alisou seu rosto enrugado e os cabelos grisalhos, agora ralos, que há tanto tempo não via... Então despediu-se e puxou o gatilho! Um tiro na testa dele! Seu pai já havia morrido anos atrás! Aquele era apenas uma carcaça de um nada! Finalmente pôde acabar com a vida do homem que matou seu pai... ele próprio! Ela, agora, sentia-se vingada!

Flávio Augusto Albuquerque
*1º Lugar no IX Sarau, Prosa, Verso e Fotografia - CCBB-BH, em 26/08/2014.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

O Erro

O erro


Noites em claro pensando,
Em busca de uma razão,
Uma explicação para chegarmos até aqui.

O erro foi meu?
O erro foi seu?

Como mergulhado em areia movediça estou,
Afundando mais para dentro de mim mesmo
A cada arfada de ar que meus pulmões exigem,
Que meu corpo pede.

Meu corpo... que um dia já pediu o teu,
Hoje clama por liberdade... Por paz.
Este é o fim? Se for assim, tudo bem!
Se não for, que mal tem?

Apenas quero a mim,
Pois nunca deve-se oferecer o risco a si próprio
Da aflição da rejeição!

Porém, desde quando razão e coração trabalham juntos?
Se assim fosse, tudo seria mais fácil!
Como ponteiros concatenados,
“Tic-Bum, Tac-Bum”…
Para cada pensamento, um bombear cardíaco.

Sofrimentos poupados, gozos vívidos.
Correspondência total entre o querer e o poder,
O desejar e o viver!
Não mais dor, não mais sofrer.

O erro foi meu?
O erro foi seu?

Quão bobo e arteiro é este coração,
Que busca sem poder,
Que deseja sem querer,
O amor de outro ser que não seu próprio ser.

É um estar enamorado, um estar encantado,
Um estar vislumbrado na ilusão e no desejo.
Desejo que cega, desejo que fortalece,
Desejo que enfraquece.

Qual é o erro?
Errado é amar?
Errado é viver?
Errado é ser?
Errado é não ser feliz!

E seguindo vai o erro em sua própria indagação:
O erro foi meu?

O erro foi seu?


Flávio Augusto Albuquerque

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Amanhã...

Amanhã será melhor! Eu sei que vai!

Amanhã os pássaros terão uma canção nova para cantar,
As nuvens irão passear no céu, como algodões doces brancos num mar azul,
Os ônibus não atrasarão, o trânsito fluirá, os carros pararão para a senhorinha atravessar,
Eu sei que amanhã tudo mudará!

Amanhã todos terão comida em suas mesas, e morada para à noite descansar,
O sorriso no rosto de todos se apresentará, e mais luz irá brilhar!
Os amantes se encontrarão, sem culpa de apenas amar... sem trair. Apenas amar!
Os pombos irão descansar, e não precisarão sujar as ruas. Pelo menos não amanhã!

Amanhã o palhaço irá tirar da sua cartola o mais belo ramalhete de rosas campestres!
Amanhã haverá mais sorriso, mais felicidade... nos hospitais, nos lugares escuros!
Lá haverá luz! Muita luz! Somente amor e luz!
Amanhã o dia vai ser bom! Sei que vai!

Amanhã é dia de brincar, é dia de correr, dia de voar! Deixar o ar passar pelos cabelos...
Amanhã é dia de ser livre! É dia de ser feliz! É dia de amar; de amar e ser correspondido!
Amanhã vai tocar uma música bonita a cada esquina, em cada rua, uma mais bela que a outra!
Amanhã os tijolos das estradas serão dourados, e todo caminho será para Oz!

Amanhã não haverá doença no mundo, amanhã não haverá pragas...
Amanhã não haverá maldade e nem tristeza!
Amanhã o novo cederá lugar ao velho; gentileza e compaixão serão carros chefes, com o amor!
Amanhã só as lembranças boas inundarão as nossas memórias, as nossas mentes!

Amanhã as esperanças numa redenção justa e amorosa serão reforçadas e provadas!
Amanhã não haverá não! Apenas sim!
Sim para a felicidade! Sim para o amor! Sim para a bondade! Sim para a caridade!... Sim!
Não? Não para a guerra! Não para o ódio! Não para a violência! Não para o mal! Isso não!

Amanhã será melhor! Eu sei que vai!

Flávio Augusto Albuquerque

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Camélia Branca - Beleza Perfeita

Seu rosto era belo! Tinha contornos perfeitos, numa simetria divina, com maravilhosas amêndoas no lugar dos olhos e um morango onde era para ser a boca! Sua tez era firme e viçosa, com a vantagem da plena juventude e a firmeza e doçura de um pêssego. A cor era de um alvo puro que sequer o mais branco dos cisnes se equivaleria. Sua beleza era tão perfeita que nem os anjos do céu seriam dotados de tanta 
perfeição! Quiçá apenas o próprio Criador assim O fosse!

Os cabelos são um capítulo à parte! Desciam em madeixas da cor do breu em camadas lisas e brilhantes como pérolas, da cabeça até a cintura, formando um perfeito "V" ao final; e completando a moldura esplendorosa do seu rosto uma franja picotada, que tanto dava um ar suave e angélico de menina, como acentuava os traços da mulher fatal, daquelas do tipo realmente matador e sensual, com cada piscadela que abalava até a mais firme das fortalezas; e não tinha cavalo de Tróia que se equiparasse àquela destruição sumária que todos sentiam ao olhar e vislumbrar tal beleza, que destroçava o sujeito de dentro para fora, com a batida cardíaca final no último instante antes dos olhares se cruzarem, e a partir de então estaria condenado o pobre homem a amar a moçoila pelo resto da vida e até a eternidade!

Tinha o corpo esculpido em perfeito 1m78cm de altura, muito bem distribuídos, com os pedaços de carne salientes justamente onde deveriam estar, e o restante bem adequado ao modelo de seu esteriótipo! Suas duas saliências mamárias, com o tamanho ideal das minhas mãos, e bicos róseos, que lembravam o bico de uma chupeta de neném e uma mamadeira, faziam de mim seu total e entregue bebê envolto em seus braços, no calor do seu colo!

Pela parte de trás tinha uma excelente anca, que encantava qualquer ser humano vivente na face da Terra com o seu balançar! Era o equilíbrio perfeito da balança da Deusa Têmis, e era muito justa e firme em sua continuidade de todo o dorso, finalizando com dois morros que eu escalava quantas vezes fosse necessário até alcançar o ápice!

Suas coxas... Ah suas coxas...! Dali eu extraia o meu absinto viciante, enebriante, me embebedava no contorno das coxas brancas e lisas! Um ponto sequer de marca eu desafiava qualquer um a encontrar! Perfeitamente trabalhadas e presas em sua cinta-liga, fazendo do simples um sensual irresistível. Impossível ficar apenas admirando. Era preciso tocá-las, em todas as dimensões!

Seus pés... dois pedacinhos de nuvens trazidos pelos querubins barrigudinhos e com nádegas nuas e cabelos cacheados, para completar sua delicadeza. Eram pés de bailarina executando perfeitamente um "pas-de-deux" em seu caminhar... Poderiam da planta de seus pés onde pisassem nascerem flores de lótus, como o lendário príncipe Sidarta ao nascer! Mas comparar aqueles pés aos pés do nobre príncipe seria diminuir demais a maravilha aveludada que eram aqueles pés delicados e bem formados. Suaves em seu pisar. Seguros quando se firmavam e ficavam na ponta dos dedos para chegar a tocar seus lábios nos meus!

E para completar, duas mãos de fada! Mãos de veludo, mãos de menina-moça, mãos delicadas, guardadas do frio em suas luvas que combinavam, ninguém sabia, com a seda que formava as suas roupas de baixo! Segredo combinado e revelado apenas a mim, quão sortudo era! Mãos somente expostas com o puxar com os dentes dedo a dedo de suas luvas de seda geralmente nas cores preta, vermelha ou branca, a depender do seu vestido, e, é claro, das suas vestes íntimas, que seriam somente por mim conhecidas no final daquela tarde, início da noite, varando madrugada afora em pleno êxtase! Dois corpos ébrios de paixão, loucos de amor, sôfregos pela próxima e pela seguinte e pela subsequente variação de posição amorosa, carinhosa em seu perfeito e sublime encaixe de sua metade em minha metade! Metades de um mesmo ser, metades de um mesmo viver, metades que formavam um só coração puro de amor e lascívia.


Flávio Augusto Albuquerque